Carta 18 - Cão, o melhor amigo do homem.

Hoje eu quero contar uma história pessoal, esta experiência realmente mexeu comigo...e tem me ensinado muito. 

Quem me conhece de perto sabe o quanto sou apaixonada por animais e o meu maior fraco, é claro, são os cães. Sempre quis ser veterinária e nunca (nunca mesmo) me passou pela cabeça ser cartomante, mas assim é o destino. 

No dia 07/11/15 chegaram dois amigos chilenos que me disseram que Andes, da Cordilheira dos Andes, significa "a primeira luz do dia". Neste mesmo dia encontrei uma cachorra na rua, debaixo de chuva, tremendo de frio e de medo. Olhei para os lados sem saber o que fazer, porque ela estava com uma coleira roxa e achei que o dono pudesse estar por perto. Não resisti e a trouxe para casa. Sequei a cachorra toda até ela parar de tremer. Ela é mansa e muito inteligente. Dei pão, a única coisa que eu tinha, mas a fiz sentar com o comando de "senta", o que ela aprendeu com rapidez. Logo depois a cachorra adormeceu de exaustão. 

Tirei uma foto dela e pus no facebook com os detalhes de onde a encontrei, para que os meus amigos me ajudassem a encontrar o dono, o que fui prontamente atendida. A foto dela se espalhou rapidamente e consegui 52 compartilhamentos. Isso me deixou bem feliz e orgulhosa dos meus amigos, pois ainda podemos contar com a solidariedade das pessoas. 

Aproveitei o momento e resolvi ir ao mercado comprar ração, apesar da chuva torrencial. Juro, a intenção foi "apenas" comprar ração, mas também comprei dois potes com cores diferente, um para água e outro para comida e comprei outra coleira amarela. E também comprei um brinquedo. Sim, sou dessas!! Só não comprei shampoo, porque achei muito caro. 

Ao voltar para casa encontrei a cachorra latindo muito alto e completamente nervosa. Quando abri a porta, nem pude deixar as compras ou tirar a bolsa do ombro. Ela pulou sobre mim, como quem pede colo, como quem pede proteção, como quem pede, desesperadamente, para que eu não a abandonasse mais. O coração dela batia descompensadamente. E o meu coração se derreteu. Ficamos abraçadas por uns longos 5 minutos até ela se acalmar e foi nesse instante que dei à ela o nome de Andes, a primeira luz do dia, em homenagem aos meus amigos chilenos que chegaram no mesmo dia.  

Após dar ração e água nos potes novos, brincamos um pouco com a salsicha de plástico que comprei para ela. Depois tomei o meu banho, enquanto ela ficou no banheiro e fomos dormir. 

No domingo pela manhã dei um banho caprichado na Andes, com sabão de coco mesmo, pois, confesso, ela não estava com um cheiro agradável. Logo após o banho ela se jogou no meu sofá e me olhou como quem diz: aqui é o meu lar e sou a dona da casa. Tive que rir.

Apesar de amar animais, o meu apartamento é bem pequeno e não possui o espaço necessário para eu ter um cachorro. Como trabalho muito, não tenho tempo para me dedicar a um mascote como ele merece. 

Como o dono da Andes não foi encontrado, resolvi que a deixaria na feira de adoção de animais aqui perto de casa e informaria isso no facebook. 

Eu já estava no corredor do meu andar, esperando o elevador, quando uma vizinha abre a porta, me olha e pergunta: 

Vizinha: Era ele quem estava latindo?
Eu: Sim, mas não é ele, é ela. A encontrei ontem na chuva, tremendo de frio e vou deixá-la na feira de adoção. 
Vizinha: Como ela é linda, como se chama? 
Eu: Eu coloquei o nome de Andes, a primeira luz do dia. 
Vizinha: Que fofa e como é meiga.
Eu: E super inteligente, já entendeu o comando "senta". Quer ficar com ela? 
Vizinha: Eu posso? Adoraria (já com a Andes no colo). Vou dar o nome de Xuxa.  
Eu (que percebi carinho e generosidade em seu olhar): Sim, pode ficar, te dou os potes, a ração e o brinquedo que eu comprei, mas vamos ficar amigas no facebook. 

No mesmo dia, a minha vizinha me envia uma mensagem dizendo que foi passear com a Andes (ou Xuxa) na rua e que uma mulher a chamou pelo verdadeiro nome - Rebeca - e que ela pulou, toda feliz, para o colo do dona, com aparência de moradora de rua. A minha vizinha a entregou para a dona, pela felicidade demonstrada por Rebeca. 

Semanas depois eu levei os meus amigos chilenos para o Pão de Açúcar. De repente vi um grupo de moradores de rua e um menino, descalço, que levava uma cachorra pela coleira. A cachorra se parecia muito com a Andes. Perguntei ao menino o nome da cachorra e ele me respondeu Rebeca. Perguntei se ele a tinha perdido e ele disse que sim. Me arrepiei toda, pela coincidência do encontro. 

No aniversário da minha sobrinha estávamos andando pela rua, quando vimos uma moça, bem magra, descalça e descabelada, levando uma cachorrinha pela coleira. Perguntei à moça o nome da cachorra e ela me disse Rebeca, então ela me olha nos olhos e me pede para comprar absorventes. Sim, as moradoras de rua também menstruam. Ela não me pediu dinheiro, me pediu um artigo feminino. Meu coração se enterneceu, pedi que ela esperasse enquanto eu ia na farmácia. Quando voltei ela estava no mesmo lugar e entreguei os pacotes de absorventes, mas antes de partir, afaguei a Rebeca. 

No domingo seguinte, após um passeio, eu voltava para casa, quando vi a mesma moça, ainda descalça, descabelada e vestindo o mesmo short e a mesma blusa, encostada no muro de uma casa, acompanhada, apenas, pela Rebeca. Essa cena me remeteu a solidão, a rejeição e ao abandono. Fiquei pensando na moça e no nosso encontro. E me senti culpada, pois nem perguntei o nome dela. Então comprei um kit higiênico, com sabonetes, escova e pasta de dente, shampoo e condicionador e, claro, mais dois pacotes de absorventes, mesmo sem ter a certeza de encontrá-la outra vez. 

Apesar do forte calor, penso em andar pelas ruas do meu bairro para procurá-la, mas não foi necessário, dias depois encontrei a moradora de rua com a Rebeca aqui perto de casa. Pergunto o seu nome e ela me diz que se chama Fabiana, foi então que percebi que faltam alguns dentes na parte superior. Peço para ela me esperar pois tenho um presente para ela. Então ela me pede roupa, pois só tem aquele short e aquela blusa. Me surpreendo e me entristeço. Respondo que vou ver o que posso fazer, pois não sou magra como ela. Foi quando ela me olha nos olhos e pergunta: Quando? Este quando representa a real necessidade de uma pessoa, pois a necessidade não pode esperar. Digo novamente que vou ver o que posso fazer. Corro para casa e separo algumas roupas de ginástica, pois certamente caberia nela. Volto ao mesmo lugar, dou o kit higiênico e as roupas de ginástica.

Como o sol está a pino e faz um calor insuportável, peço que ela me empreste a Rebeca, para eu dar um banho nela. E peço para ela me esperar para que eu pudesse devolver a cachorra. E ela simplesmente me entrega a Rebeca. Fico aliviada e satisfeita pela confiança que a Fabiana deposita em mim. Venho em casa, dou um super banho na Rebeca, com o mesmo sabão de coco e ela parece mais ativa, após se refrescar. 

Quero registrar que o Restaurante Cozinha da Anita deu uma quentinha (de comida fresca e não resto de comida) para a Fabiana e outra para a Rebeca. Parabéns aos proprietários do Restaurante por este gesto generoso.

Devolvo a Rebeca e pergunto se Fabiana precisa de mais alguma coisa, ela pensa um pouco e responde que não, que não precisa de mais nada. Então me despeço e quando estou indo embora, Fabiana me chama por "tia" e pergunta se eu posso comprar um pacote de paçoca para ela vender. Digo que vou comprar e que tenho certeza que ainda vamos nos encontrar mais uma vez. Pergunto se posso tirar uma foto dela, mas ela se recusa, com a mão na cabeça e diz: o meu cabelo está muito feio....e estava mesmo.  

Volto para a casa pensando como um simples gesto pode mudar o dia de uma pessoa, um simples gesto pode levar esperança para quem já perdeu a esperança. 

Rebeca e Fabiana me emocionaram e tenho aprendido muito com elas, pois às vezes, só precisamos de uma pequena oportunidade para nos tornarmos seres melhores. 

Já comprei dois pacotes de paçoca para entregar a Fabiana e vou comprar uma ração para a Rebeca. Sei que vamos estar juntas outras vez. Sei que posso ser útil.




Não, eu não viro a cara para o abandono. Também não viro a cara para a dor. 

Sim, eu consigo enxergar os "invisíveis" e meu coração se enche de compaixão por estas almas passarem por uma prova tão dura. 

Parabenizo a Sara e o Alexandre, os sobreviventes invisíveis da calçada, por cuidarem de 5 cães e 3 gatos. Assim como tantos moradores de rua que resgatam e cuidam de animais e os tratam bem. 

Parabenizo a todos os profissionais do vídeo acima: 

01) Ao fotógrafo Eduardo Leporo, que lançou o seu olhar e a sua máquina para registrar os invisíveis e seus animais de estimação, inclusive lançou o livro "Moradores de rua e seus cães". 

02) A Camila e outros veterinários por cuidarem e castrarem alguns animais de rua. 

03) A Miriam que trabalha com tosa de animais. Transforma suas gorjetas na caixinha de gorjeta para o "Projeto moradores de rua e seus cães" em benefício para essas pessoas. 

04) A marca Baw Waw, por doar a ração e por unir esforços para ajudar aos moradores de rua e seus animais de coração. 

05) Ao Richard Rasmussen e sua equipe por fazer a reportagem e a Band por transmitir.

Enalteço aos amigos que se importam e que podem fazer a diferença na vida de outras pessoas. 

Não adianta olhar, você pode agir, com pequenos gestos. Não perca a oportunidade de distribuir os seus lírios (30).

2 comentários:

  1. Li e me emocionei. É um conto de Natal. Temos tão pouco nos doado verdadeiramente. Parabéns pela iniciativa.

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  2. Li e me emocionei. Um conto de Natal. Que possamos ser mais para quem tem menos. Parabéns pela iniciativa.

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